Continuar a fazer investigação em cancro durante o estado de emergência: mais do que nunca precisamos de estar unidos e de colaborar

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Continuar a fazer investigação em cancro durante o estado de emergência: mais do que nunca precisamos de estar unidos e de colaborar

Quarta, 08.04.2020

Caros Sócios da ASPIC,

 

De 2 a 4 março de 2020, as Associações Europeia, Americana e Portuguesa de Investigação em Cancro (EACR, AACR e ASPIC, respetivamente) realizaram uma conferência internacional focada em investigação básica e translacional sobre a importância do microambiente tumoral para a progressão neoplásica. Esta conferência reuniu mais de 600 participantes no Centro de Congressos de Lisboa, com representantes de 44 países distintos. Com base na auscultação que fizemos na altura à Direção Geral de Saúde (DGS), e uma vez que não existiam casos de COVID-19 em Portugal, não houve qualquer indicação das Autoridades Portuguesas para não prosseguir com a conferência conforme planeado. Assim, apesar da incapacidade de alguns palestrantes viajarem devido a precauções relacionadas ao COVID-19, a conferência prosseguiu sem grandes impedimentos e com um nível científico de excelência, incluindo as palestras magníficas que foram proferidas remotamente. 

 

Apesar de ter a certeza que a conferência foi cientificamente proveitosa para todos os participantes, sei que foi também um momento de tensão, ansiedade e nervosismo para grande parte dos investigadores que decidiram ir. A insegurança relativamente a participantes vindos de países onde o surto já se tinha instalado, as dúvidas sobre a discussão de resultados em poster onde a proximidade entre investigadores é maior, o confinamento dos participantes a um auditório onde 600 pessoas não tinham qualquer possibilidade de manter uma distância de segurança, a persistente lavagem das mãos, a incerteza sobre cumprimentar ou não colegas que não víamos há muito tempo... sentimentos que nunca antes tínhamos experienciado em nenhuma reunião cientifica e que claramente têm impacto no fluxo natural da ciência com o qual nos habituámos a viver e que fazem parte da nossa vida profissional.

 

Sem grande surpresa, no dia em que a conferência começava, o primeiro caso de infeção por COVID-19 foi diagnosticado em Portugal. Apesar do evento ter ocorrido com a normalidade possível, o nosso mundo mudou radicalmente desde esse dia. Passado pouco mais de um mês, o surto tomou conta do nosso país, da Europa e do mundo. Quase sem pré-aviso, as faculdades e institutos de investigação onde trabalhamos foram encerrados, seguindo medidas de contingência alinhadas com a estratégia implementada a nível nacional. O estado de emergência era anunciado daí a 3 dias, impondo o confinamento dos cidadãos às suas residências e limitando a circulação livre de pessoas, salvo por motivos de saúde ou por outros motivos de urgência imperiosa.

 

No mesmo dia em que recebi a notícia de encerramento do i3S, enviei um email a todos os meus estudantes pedindo para terminarem todos os trabalhos que tinham em curso e irem para casa para se protegerem. Tirámos células de cultura, informámos o biotério de que as experiências não iriam continuar, fechámos o laboratório e fomos para junto dos nossos filhos e familiares. Naquele momento a minha prioridade foi a segurança da minha equipa de investigação... mas, e a nossa vida profissional, fica suspensa? Até quando? E as teses de doutoramento que precisam de resultados para terminar? E as bolsas que têm termo? E os artigos que foram submetidos e cuja revisão pede mais experiências? E os projetos que estão ativos? E os nossos objetivos? E a nossa carreira e missão de vida? E o nosso futuro?

 

É por estas perguntas me assaltarem quase todos os dias que vos decidi escrever. Precisamos mais do que nunca de continuar a fazer investigação durante o período em que estamos confinados em casa. Não podemos baixar os braços e esperar que passe. Os doentes oncológicos continuam a precisar de nós e necessitamos rapidamente de nos adaptar a esta nova realidade e continuar a produzir de alguma forma.

 

Obviamente que aquilo que depende do laboratório, vai ter mesmo que esperar. Mas podemos manter alguma atividade laboral via teletrabalho. A maioria de nós tem o privilégio de poder ficar em casa, confortáveis, enquanto os nossos colegas médicos têm que ir trabalhar e expor-se a um risco que nós não temos que correr. Por coincidência, estamos em período de concurso a projetos da Fundação para a Ciência e Tecnologia, por isso podemos aproveitar o tempo para pensar em novas hipóteses e soluções na área que estudamos.

 

Temos que manter a motivação. A investigação em cancro não pode ser realizada sem equipamentos específicos, culturas de células, ou modelos animais; mas podemos escrever e rever artigos, pensar em projetos novos, discutir ideias e analisar dados com uma atenção redobrada. Podemos manter as nossas reuniões de grupo de forma a manter alguma união e sentido de pertença. Podemos manter algum ritmo e estimular o intelecto e a criatividade. Podemos estudar e desenhar experiências futuras.

 

Ou seja, apesar de não sabermos exatamente quando vamos poder voltar ao laboratório, é minha convicção que precisamos de nos manter unidos como comunidade, continuar a pensar e a colaborar, e a manter o contacto entre nós. Da minha parte posso assegurar-vos que a Direção da ASPIC vai dar seguimento ao seu plano de atividades para 2020-2021. O website da ASPIC tem também estado muito ativo, com a divulgação de oportunidades de emprego, de eventos e congressos futuros em Oncologia e de trabalhos publicados pelos investigadores portugueses.

 

Infelizmente, a investigação em cancro não pode parar, pois a taxa de mortalidade é muito superior àquela que é provocada pela infeção pelo COVID-19.

 

Continuem firmes e seguros! A ASPIC conta com todos vocês.

 

Joana Paredes

Presidente da ASPIC

7 de Abril de 2020